Nome: Maitê
Maitê, nascida em 2013, teve o diagnóstico com sete anos e é do subtipo B.
Maitê
2013
Sanfilippo tipo B
Como é que a família teve acesso ao diagnóstico e como se sentiu?
A gente pesquisou muito, conversámos bastante com a Raquel, conversámos com outras mães do Brasil cujos filhos têm o mesmo tipo que a Maitê. Temos um grupo de mães de doenças só neurológicas e elas acabam auxiliando muito. A gente faz várias partilhas, troca ideias, porque a Maitê, por enquanto, ainda não teve perdas.
O diagnóstico dava sempre um atraso global do desenvolvimento e hiperatividade. Em dezembro do ano passado ela esteve doente, ficou internada e num dos exames fizeram uma ressonância magnética porque ela tinha uma atrofia cerebral, tinha alguma coisa que não estava certa.
Começámos as investigações, foi solicitado um exame de urina de 24 horas e algumas análises e deu a alteração que apontava mais para Sanfilippo 3B. Fizeram uma nova colheita, de sangue e confirmaram.
Eles explicaram-nos, passaram o contacto da associação (Sanfilippo Portugal), porque os médicos nada sabem sobre a doença. A médica foi bem clara e teve muito cuidado em explicar que a gente ficaria sabendo mais com os pais, do que com a medicina. Que os pais conseguiriam explicar muito melhor, porque isso vai variando de criança para criança.
Quando tivemos o diagnóstico foi um choque. Parecia que era um pesadelo. Quando a médica falou o nome da síndrome eu nem entendi direito. Eu só ouvia o degenerativo, o progressivo, fiquei só ouvindo aquilo e achei que estavam falando de outra pessoa, de outra criança. Cada vez que a gente foi pesquisar, a gente ficou mais desolados, mais desesperados. “Como é que isso é possível? como é que isso vai acontecer com ela?”. A gente vê, a menina que fica pulando o tempo inteiro, não pára quieta. “Como assim, daqui a pouco vai acabar?”.
A gente não conseguiu… e até hoje a gente pensa nisso como se ela não fosse a escolhida para acontecer, mas com os pés no chão, que, infelizmente, como não tem uma cura nem um tratamento é uma coisa que vai acabar acontecendo. Mas ao mesmo tempo, o que deixa a gente mais aliviados é que ela é uma menina muito feliz. Acredito eu, que seja uma característica muito forte deles, das crianças Sanfilippo. Eles são crianças que estão sempre alegres. Eu acho que, pelo facto de eles não entenderem: eles recebem um mau trato, uma bronca, um castigo da escola, porque mexem numa coisa que não devem ou machucam tudo, eles esquecem e está tudo bem. Parece que eles não guardam as coisas ruins, eles querem viver em plenitude.
Não é uma criança que veja que fica sofrida. Mesmo as crianças que acompanho no grupo de mães, elas ficam sempre sorrindo, mesmo no quadro grave eles estão sempre com um olhar bom. Não com um olhar sofrido. Eu acho que isso deixa a gente com o coração mais quentinho, menos desesperado.
Como é que a síndrome de Sanfilippo tem afetado a vida da sua filha?
Eu vi algumas crianças como a Maitê que já tiveram perdas significativas. Ela ainda não teve perdas. Ela é uma criança que ainda está desfraldada, a cada dia continua a aprender palavras novas, a montar frases grandes, a fazer o raciocínio. Ela consegue manter o aprendizado da escola. Ela não sabe os números mas sabe as cores e, graças a Deus, ainda não teve perdas. E está a ser acompanhada.
Ela está no ensino regular inclusivo mas não faz parte da sala. Ela faz hipoterapia, psicomotricidade e terapia ocupacional. Ela fala igual a um bebé mas eles não aconselharam a terapia da fala, precisamente, por causa da inquietude. Ela é muito hiperativa, não consegue concentrar em fazer nada, ela é muito agitada.
Eu acho que o problema da educação especial é que, sendo uma síndrome rara, as pessoas não conhecem. Eu achei muito estranho quando chegou a lista com o material e assim. Eu falei que tenho uma filha especial e falei o nome da síndrome, mas as pessoas pensam que é uma síndrome em que ela vai tomar uma ritalina e vai melhorar. Esses remédios são chá... não vão fazer nada para ela, não trazem resultado nenhum para a hiperatividade dela.
Eu acho que eles precisam de ter mais empatia, principalmente com os pais. Eles acham que é uma criança mal-educada, que não tem limites. Aí quando eles param para ler tudo sobre a síndrome, para ver as características, aí eles vêem que é diferente...
Pelo facto de ser uma coisa rara, muitos deles não pesquisam. Na escola onde ela está, quando eles perceberam como a coisa é, eles mudaram totalmente a estratégia. Ela participa da turma do primeiro ano na hora do almoço, na hora do lanche, no recreio.
Mas ela fica na sala a fazer os jogos que costuma fazer. Fazendo um puzzle e dentro da capacidade dela; não adianta eles tentarem ensinar ela escrever o nome, porque ela não vai aprender. Até porque ela, para aprender, precisa de ficar sentada e ela não fica. Eles aprenderam umas táticas, as estratégias, para conseguir fazer com que ela trabalhe mais de uma forma que consiga entender e aprender. Não uma forma tradicional.
Que estratégias encontraram para se adaptar a estas alterações?
Olha, eu acho que sempre a estimular, continuar estimulando. Procurar sempre alternativas, terapias. Não podemos deixar o pessimismo tomar conta e fazer que a gente fique sem esperança.
O bem-estar, manter a família sempre bem. Estudar muito.
É claro que eu choro e todos os dias eu fico triste. Todos os dias que olho para ela brincando em cima do cavalo, feliz. Então se ela está desse jeito, porque é que eu não vou estar? Porque é que vou deixar-me derrubar? Não, a gente vai lutar nem que seja para que as próximas crianças tenham mais sorte.
Apesar de todas as dificuldades... Conte-nos um episódio engraçado que tenha passado com a sua filha.
Quando ela ficou internada no ano passado, ela estava muito prostrada, não falava, assim muito molinha. A gente estranhava porque ela nunca ficava parada. O pouco que ela conseguia ter forças para falar, ela sorria e falava: “eu estou muito feliz.” Nunca teve tempo ruim para ela.
Um dia, ela cortou as duas solas dos pés porque deixou cair uma garrafa de azeite, antes de a gente saber da síndrome. Ela teve de ficar quase três semanas só sentada. Era movimentada no colo. Isso para ela era uma tortura porque ela fica pulando o tempo inteiro. E, mesmo assim, na hora de fazer os curativos ela não chorava, sabíamos que machucava, e olhava para a enfermeira e dizia “está tudo bem, eu estou bem, estou feliz”.
Ela é muito resiliente, eu acho que a característica maior da Maitê é essa, ela é muito resiliente. Ela adapta-se, qualquer situação que seja ruim, ela transforma em bom.
Às vezes a gente briga com ela. Mesmo agora, ela pegou os meus pincéis de maquilhagem e saiu correndo. Eu dizia que não podia, isso é da mamã e ela corria, passando na cara como se eu estivesse brincando com ela. E a gente tem de se controlar para não achar que eles fazem tudo porque querem, temos de continuar a dar os nossos limites apesar de achar que ela não assimila isso. Ela entende mas depois pensa “e daí? não quero saber”.
Eu acho que, no fundo, no fundo, são crianças que nasceram para ensinar alguma coisa. Eu não posso nem florear isso, não vou dizer que é uma tragédia porque existem coisas muito piores, mas para uma mãe é horrível. Para uma mãe é uma tragédia. Mas a gente tem de aprender, não é pensar “porquê ela?”, é pensar “porque não ela? porque não nós?”.
Falo do meu caso, a gente certamente não fazia parte do mesmo meio (a mãe e o marido), a gente se encontrou, teve dois filhos, então é porque ela, era para ser nossa. Então quem sou eu para questionar? Eu “tenho a minha luzinha apagada”, ele “tem a luzinha apagada” e veio a Maitê. É ela é nossa, ela é desse jeito e vai ser sempre desse jeito.
Descreva-nos em cinco palavras a síndrome de Sanfilippo.
Eu evito falar que é uma síndrome degenerativa progressiva, eu chego e falo que ela tem uma síndrome metabólica, que é como se fosse um Alzheimer infantil.
Como costumo tentar resumir, porque as pessoas não entendem que ela fica acumulando lixo (nas células). Se eu vou explicar as pessoas não entendem, nem vão querer pesquisar. Quando a gente fala, quando manda ler ninguém se interessa, a não ser as pessoas próximas. Eu costumo resumir, é como se fosse um Alzheimer infantil.